A História da Vovó Maria Conga

15/05/2018 14:30


 

 

 

    Maria Conga, Maria Conga.
Maria Conga o que é que você quer?
 
    Quero pemba, quero guia, quero figa de guiné.
 


    Vovó Maria Conga, uma das mais amadas e respeitadas Pretas Velhas
da Religião de Umbanda.

    A vovó considerada guerreira, forte, batalhadora, que não media
esforços em proteger seu povo tão amado, dentro e fora do quilombo de
seu  tão respeitado pai, que era conhecido como Rei Congo, e que era
o líder dos negros que um dia foram escravizados pelos senhores
brancos.


    Maria Conga era uma escrava de uma fazenda cafeeira da região
Sudeste, quarta filha de Rei Congo com sua companheira que também
levava o nome de Maria.

    Desde tenra idade Maria Conga demonstrava que seguiria os mesmos
passos de seu amado pai, sendo uma verdadeira lutadora e salvadora de
seus irmãos negros que foram escravizados, Mas apesar dessa
demonstração de força, ela demonstrava também ser gentil e graciosa
com seus semelhantes assim como sua mãe, fazendo assim ser reconhecida
e respeitada por todos seus irmãos negros.

    Ela se mostrava guerreira mas ao mesmo tempo amável, tinha uma
sabedoria espiritual elevada, e com essa sabedoria ajudava nas
caminhadas junto a seu pai que buscava levar a caridade a todos os
negros sofredores.

    Era uma grande benzedeira, encaminhadora de espíritos sem luz, que
insistiam em perturbar a mente e o corpo de negros e brancos daquela
época, com suas obsessões desenfreadas que levavam muitas dessas
pessoas a adoecerem sem motivo, ou a enlouquecerem de tal forma que
ceifavam a própria vida. Essa fé e essas aprendizagens se tornaram
grandiosas, pois tanto vinha pelo lado de seu pai quanto de sua mãe,
que ambos sabiam como demonstrar a enorme fé no grande pai e senhor de
seus caminhos, nosso amado Deus.

    Com as aprendizagem de seu pai Octacílio (Rei Congo) e de sua mãe
Maria, a nossa personagem ficou muito conhecida pelas curas físicas e
mentais destinadas a centenas de pessoas, sendo essas pessoas negras ou
brancas.

    Quando sua mãe desencarnou, Maria Conga era apenas uma pequena
jovem ainda, e esse fato a deixou muito abalada a levando numa
tristeza profunda, pois ela acreditava que sem a presença da mãe sua
caminhada junto a caridade poderia terminar. Mas pelo contrário após
algum tempo de luto e de muitas palavras de amor e carinho de seu pai,
Maria Conga elevou ainda mais sua fé e se colocou a disposição de
Zambi (Deus), de Oxalá, de todos os Orixás e Entidade de Luz que ela
buscava com determinação na hora das benzeduras e das curas, mesmo
sendo ela uma jovem, uma jovem que mostrava que era pequena na idade
mas grandiosa na fé.

    Quando Rei Congo decidiu lutar pela libertação de seu povo das
garras dos senhores de escravos e fugiu para tentar chegar ao Monte
dos Perdidos, ele para não fazer com que seus filhos amados sofressem
algum risco nessa fuga, que poderia ser uma fuga suicida, decidiu
se relocar antes, se firmar no local que ele considerava seguro para
após isso resgatar além de seus filhos consanguíneos, todos seus
irmãos negros.

    Com isso a menina Maria fica só, sem a proteção de seu pai e o
carinho de sua mãe. Por noites a fio ela chorava, olhando as estrelas
e pedindo uma luz a Zambi, que ele mostrasse um caminho, uma trilha a
seguir.

    Numa dessas noites, após a jovem fazer suas orações, ela ainda
com lágrimas nos olhos, vê uma imagem brilhante vinda do céu
estrelado, nessa imagem com um formato de uma mulher, mas um tanto
indefinida, ela escuta a voz de sua mãe. E a voz disse de um modo
gentil e amável as seguintes palavras:

    "Filha amada, peço para você ter força, suportar o que vem pela
frente. Terá dias de dor e lágrimas,, terá uma grande vontade de
desistir, terá ódio em seu coração. Mas pediria que lembrasse de
minhas palavras, você tem que demonstrar nesse período a sua
verdadeira fé em Zambi, demonstrar que as lágrimas que ira perder não
a farão não enxergar que Zambi e grandioso, que a falta de esperança
não lhe levará a desistência de prosseguir clamando, que o ódio não
acabará com o amor e a caridade que deverá espalhar pelas terras
sangrentas. Minha doce filha, após essa demonstração de fé, sua
esperança poderá voltar a brilhar, pois seu amado pai voltará para
seu resgate. Confie sempre!""

    E assim a escuridão da noite retorna aos olhos da pequena Maria
Conga, a deixando refletindo sobre o acontecimento e as palavras
ouvidas vinda de sua mãe.

    O tempo foi passando, e os comentários nas senzalas foram
aumentando. Muito se dizia sobre o novo quilombo, o quilombo que
levava o nome do pai de Maria Conga. Os escravos ficavam ansiosos, os
coronéis preocupados e feitores armados de prontidão, prontos para
guerrear, caso o grupo de Rei Congo aparecesse para resgatar os
escravos das fazendas.

    Após algumas tentativas de invasão a fazenda na qual Rei Congo era
escravo, o coronel dessa fazenda tomou uma decisão, usaria a filha de
Rei Congo como isca para aprisioná-lo.

    Após ordenar aos feitores a levar Maria Conga ao tronco, ela foi
açoitada diversas vezes, na tentativa de que ela dissesse onde poderia
estar seu pai. Na falta de respostas foi determinado que ela ficaria
no tronco até Rei Congo entregar-se

    O boato foi espalhado pela região por entre jagunços e feitores
na tentativa que todo fato chegasse até os ouvidos de Rei Congo, e
assim aconteceu..

    Ele ficou sem chão, desesperado, já decidido a se entregar e
trocar de lugar com sua amada filha.

    Se ajoelhou nas terras sagradas do Quilombo, fechou seus olhos, e
Orou firmemente a Zambi, pedindo que lhe encaminhasse na decisão
tomada.

    Mas uma vez o inesperado aconteceu, por entre as nuvens
dançarinas, um facho de luz ilumina seu rosto, e ele com isso se
acalma um pouco, sabendo que suas preces estão sendo ouvidas pelo Pai
Maior.

    Rei Congo, num momento de calma, refletiu ao olhar em seu redor.
Observou o grande grupo de negros que antes escravizados, e agora
livres, trabalhando pelo sustento de todo povo que felizes estavam
residindo no Quilombo.

    Ele sabia que ao se entregar nas mãos dos feitores do seu antigo
Coronel, estaria também entregando todo aquele povo que já tinha
conseguido resgatar, inclusive seus outros filhos que já se
encontravam no Quilombo.

    Tinha que buscar sua filha, mas de uma maneira que não arriscasse
todos os outros. E assim Rei Congo ficou refletindo como seria esse
feito.

    Enquanto isso, Maria Conga continuava sobre sua tortura, presa ao
tronco, chibatadas ardentes faziam a dor percorrer seu corpo, sol
escaldante fazia as feridas queimarem ainda mais. Ela sofria, chorava,
quase já sem forças, seu coração prestes a lançar um ódio que jamais
sentira, suas esperanças se findando, sua mente não conseguia
entender muito bem todos os acontecimentos, quando de repente sente
uma luz sobre si, uma luz forte e protetora, uma luz que a deixara
tranquila, serena, sem as dores penosas que antes sentia.

    Após esse sentimento de paz, seu coração se tranquilizava ainda
mais, e sua mente como num tom de magia se tornava esclarecida sobre
os fatos ocorridos e se abrindo para as lembranças da voz de sua mãe
lhe indicando como proceder naquele momento fatídico.

    E com isso ela sorriu, sabendo que não estava só. Seu rosto que
antes demonstrava dor e desespero, se transformara em uma face serena,
cheia de paz e esperanças.

    O feitor que estava incumbido de açoitar Maria Conga nota o olhar
sereno que ela estaria, e isso lhe trouxe uma sensação de estar
errando ao obedecer as ordens de seu coronel. Contudo ele não poderia
arriscar a não fazer, pois dentro da fazenda a lei era se caso um dos
feitores poupassem algum negro escravizado dos castigos impostos pelo
senhor de escravos, o próprio feitor iria para o tronco junto de seus
familiares, no lugar do negro poupado.

    Mas a cada vez que o feitor levantava seu braço para um novo
açoitamento a escrava, seu coração doía, e ele batia apenas levemente
sua chibata no corpo já machucado da negra.

    Nesse instante chega de um modo desesperador, correndo e chorando
uma mestiça chamando pelo nome do feitor. Era sua companheira, que por
entre lágrimas incessantes pede ajuda ao homem, pois a filha de ambos
arde em febre, um estado febril tão intenso que já lhe causava
convulsões.

    O feitor larga sua chibata, corre até o casebre onde se encontrava
sua pequena filha já desfalecida. Não sabendo como salvar a sua
menina, ele corre até a senzala pedindo ajuda aos negros mais
experientes, e entre esses negros havia uma velha centenária negra,
que sentada ao chão e com seu cachimbo na boca, diz ao feitor sem
tirar os olhos do tição na qual ela acendia o cachimbo.

"Meu filho, você só tem uma chance de salvar sua filha, e só tem uma
pessoa que pode fazer isso. Essa pessoa está morrendo presa ao tronco,
morrendo pelas chibatadas que você foi obrigado a dar nela. Sua filha
não tem muito tempo, leve Maria Conga até ela, pois ela vai saber o
que fazer para tirar a sua menina das mãos da fria  morte."

    O feitor sem pensar muito corre até o tronco, retira Maria Conga
das correntes, se joga a seus pés chorando e suplicando que ela
salvasse a vida de sua filha. E por entre lágrimas e pedidos de
perdão, ele ouve a voz dela pedindo que ele se levantasse e a levasse
até a menina. E assim foi feito.

    Pelo caminho Maria Conga colhia algumas ervas, flores e pegava um
pouco de água que corria no rio límpido. Ao chegar foi direto as suas
orações e benzeduras, fez das ervas, flores e água um cataplasma
colocando sobre o corpo da criança, que como por milagre foi se
restabelecendo, abrindo os olhos devagar e esboçando um sorriso ao ver
o rosto do pai.

    A menina se curou completamente, e o feitor ficou extremamente
agradecido a Maria Conga.

    Nesse mesmo momento Rei Congo recebe uma mensagens de sua doce
esposa lhe dizendo:

    "Meu companheiro de jornada, chegou a hora, peço-te para resgatar
nossa filha das garras da escravidão. Hoje ao meio da noite parta para
as terras onde ela se encontra escravizada. Vá sozinho, e pelo mesmo
caminho que você já fez ao sair de lá."

    Ao ouvir isso, Rei Congo se prepara para o resgate, ele parte do
Quilombo sozinho, sem dizer a nenhum dos que ali se encontrava o teor
de sua missão.

    Ao chegar na trilha oculta que o levaria ao interior da fazenda,
Rei Congo se depara com alguns vultos, passos e respirações
ofegantes. Ele se esconde por entre os arbustos e aguarda.
E de repente reconhece um dos vultos, era sua amada filha que estava
buscando um caminho seguro para se esvair da fazenda cafeeira, junto a
ela estavam o feitor e sua família, que fugiram das terras sangrentas
em busca de paz para que assim pudessem ver sua filha crescer fora
daquele ambiente de baixa iluminação espiritual.

    Ao encontrar por Rei Congo, Maria Conga conta tudo que lhe
aconteceu. Diz sobre a ajuda do feitor que arriscando a vida e a
segurança de sua família, a ajudou na fuga, mesmo sabendo que ele
jamais poderia voltar a fazenda.

    Rei Congo agradecido, leva todos para o Quilombo do Congo, e lá
ficaram por muitos anos, plantando, colhendo, vivendo em paz.

    Maria Conga se tornou a grande benzedeira do Quilombo, ela por
muitas vezes saia em resgate de outros negros junto a seu pai. Fazendo
assim nascer uma corrente de caridade, liberdade e amor.

    Ela ficou no Quilombo por muitos e muitos anos, teve seu
desencarne numa noite de muitas estrelas brilhantes e lua cheia no
céu.

    Toda luz que irradiava em vida, foi recompensada com a benção de
virar uma Entidade de Luz, podendo vir nos terreiros de Umbanda,
incorporada em Médiuns preparados para consultas a quem necessita de
sua ajuda.

    Ela trabalha com e para a caridade, auxilia nas curas de males
físicos e psicológicos, em obsessões, limpezas espirituais de pessoas
e ambientes.

    Sempre busca fazer o bem, sempre com orientações para busca do
melhor caminho a ser tomado a quem se sente perdido.

    Essa é a Vovó Maria Conga, a senhora protetora dos fracos, a
guerreira que lutou pela liberdade, e até hoje nos ensina a dominar
nossos sentimentos de ódio, desesperanças e tristezas, assim como ela
o fez quando esses sentimentos ruins desejavam dominar a si própria.

Saravá Vovó Maria Conga!

 

 

Carlos de Ogum