A História de Vovô Benedito da Calunga.
Após açoitar e torturar o negro no tronco, o jovem coronel manda
arrancar os dentes de Benedito, deixando-o praticamente sem vida.
Ao saber de toda covardia do jovem coronel com seu primo e amigo,
a velha negra Benedita não se fez de rogada, foi até o rapaz e
expressou seu descontentamento de uma forma raivosa, o jovem coronel a
empurra e diz que se ela voltasse a importunar com aquele assunto, ela
que iria ao tronco. Mas mesmo essas ameaças não intimidaram a velha
Benedita, que continuou falando sobre a covardia intensa do coronel
afilhado.
O jovem coronel enraivecido, manda seus feitores levarem a velha
negra ao tronco, dizendo que será lá que ela iria morrer. Ao saber do
fato, sua protetora, a sinhazinha, implora pela vida da negra, e sem
dar atenção ao clamor da sinhá, o coronel afilhado continua observando
seus feitores arrastar a negra para longe da casa grande sobre os
gritos de desespero da sinhazinha.
Como percebeu que nada adiantaria seus pedidos de clemência pela
vida da negra, a jovem sai ao encontro de seu pai acamado em seus
aposentos, conta-lhe todo o sucedido, inclusive o fato sobre o negro
Benedito, e pede para ele interceder e ordenar a seu afilhado a parar
imediatamente com as covardias sobre os negros.
O coronel, muito fraco, manda que tragam o seu afilhado até ele, e
que soltem imediatamente a negra Benedita do tronco. E assim foi
feito.
Com uma longa e árdua conversa, o velho e doente coronel ordena
que as coisas sejam feitas de acordo com o desejo dele, e que não ia
ser admitido mais o uso da chibata e de torturas no tronco em seus
negros.
O coronel afilhado fez menção de compreender as palavras do velho
adoentado, mas dentro de si corria um ódio descomunal, mas conforme
ordenou seu padrinho, ele obedeceu. Mandou tirar o tronco das
senzalas, não mais açoitava os negros, não perseguia mais a velha
Benedita.
Mas seu olhar era de vingança, seu coração não entendia o que
seria entender um semelhante, sua mente perversa imaginava o dia no
qual pudesse se vingar da velha negra, aquela negra que entrava e saía
da casa grande como se fosse da família. Ele odiava ver a sinhazinha
dando largos sorrisos a sua mucama, odiava a proteção dada por ela
aos negros.
Algum tempo se passou, e o coronel adoentado fez seu desencarne, e
naquele momento o afilhado viu a oportunidade de se vingar dos negros.
Pelo motivo que só existia na cabeça doentia dele, mas usou desses
motivos sem nexo, e do desencarne do seu padrinho para no dia após da
passagem do velho coronel, mandar recolocar o tronco de torturas nas
senzalas, demonstrando assim suas intenções.
Sete dias se passaram, e assim o jovem coronel da fazenda ordena a
seus feitores que tragam a velha Benedita até o tronco, e assim foi
feito. Sem que a sinhazinha soubesse do fato, levaram a negra para uma
distante senzala abandonada, e lá, com a chibata nas mãos, a negra
acorrentada ao tronco, o jovem coronel com um sorriso irônico diz a
negra, que demorou mas ele iria se vingar da vergonha que ela o fizera
passar diante da família do velho coronel.
Ele com todo ódio reprimido dentro de seu ser, açoita a velha
negra, e cada vez mais forte e mais rápido. Após várias chibatadas,
seu corpo dilacerado, sangue escorre pelas vestes, lágrimas rolam na
face.
O coronel entrega o açoite nas mãos de um dos feitores, mandando
que ele faça todo o serviço, pois ele desejaria apenas ficar olhando,
e saborear o sofrimento da negra.
A cada chibatada o coronel dizia a velha negra, que se ela
implorasse por sua vida, talvez ele a poupasse. Mas ela deveria o
convencer disso.
A negra o olha firmemente nos olhos e diz:
"Não posso implorar, pois estaria implorando não pela minha vida,
mas sim pela sua. Pois a cada chibatada que me defere no corpo, está
deferindo contra sua própria alma. E sua alma não mais tem salvação."
O coronel ao ouvir isso ficou com muito mais ódio. E gritando
ordenou ao feitor que açoitasse a negra com mais força, pois queria
ver se ela não ia implorar pela sua vida.
A cada chibatada deferida, a negra olhava mais fixamente ao
coronel. Seu semblante, antes de dor, se transformava em um olhar
sereno, tranquilo, em paz.
Novamente o coronel afilhado diz a negra:
"Implore negra maldita, implore pela sua vida."
Ela apenas sorriu. E em palavras serenas e lentas disse ao
coronel:
"A cada chibatada dada em meu corpo e a cada gota de sangue derramado
pela covardia do senhor branco, será a perda das forças do seu andar.
Implore senhor coronel, implore a Deus que eu não desencarne, pois
assim se acontecer, eu partirei para o reino de Deus, mas o senhor
ficará se arrastando como uma cobra peçonhenta pelas terras ferventes
desse mundo de branco e senhores de escravos."
E nesse instante o feitor açoita firmemente a velha negra, que
fecha os olhos e faz seu desencarne, no mesmo momento que o coronel
sente suas pernas fraquejarem, e ele desaba ao chão, sem forças para
se mover.
Nesse dia a velha negra Benedita foi para o reino de Deus, foi
abençoada em se tornar uma Entidade de Luz trabalhadora pela
espiritualidade, e o coronel afilhado nunca mais deu um passo. Passou
seus últimos anos de vida se rastejando pelos entornos da casa grande
da fazenda cafeeira.
Na mesma noite do desencarne da velha negra, ela em espírito vai
até a seu primo Benedito, a velha Joaquina e a sua amada sinhazinha,
dizendo-lhes que estaria sempre junto a eles, e que logo eles estariam
junto a ela no reino de Pai Oxalá.
Nos dias de hoje a sorridente, amável, brincalhona e caridosa
Vovó Benedita das Almas, vem trabalhar junto a espiritualidade nos
Terreiros de Umbanda, trazendo paz, caminhos abertos, saúde e muita
alegria a seus filhos, consulentes e protegidos.
Salve a linda Vovó Benedita das Almas!
Adorei as Almas!
Carlos de Ogum.